O
erro mais comum é confundir o prazer com a felicidade. O prazer, diz um
provérbio hindu, “é somente a sombra da felicidade”. É o resultado
direto dos estímulos prazerosos no âmbito sensual, estético ou
intelectual. A fugaz experiência do prazer depende de circunstâncias, de
um lugar específico ou de um momento no tempo. É instável por natureza e
a sensação evocada logo se torna neutra ou até desagradável. Da mesma
maneira, se for repetida, pode tornar-se insípida ou até levar a
repulsa. Saborear uma refeição deliciosa é uma fonte de prazer genuíno,
mas ficaremos indiferentes a ela assim que estivermos satisfeitos e
poderemos até nos sentir mal se continuarmos a comer. A mesma coisa
acontece com uma boa fogueira: quando estamos encolhidos de frio, é um
grande prazer nos aquecermos com seu calor, mas logo temos de nos
afastar para não nos queimarmos.
O
prazer se exaure com a rotina, como uma vela que consome a si mesma.
Ele quase sempre está ligado a uma ação, uma atividade e leva ao tédio
pelo simples fato de repetir-se. Ouvir em êxtase um prelúdio de Bach
requer uma atenção que, por menor que seja, não pode ser mantida
indefinidamente. Depois de um tempo, o cansaço entra em cena e a música
perde seu encanto. Se fôssemos forçados a ouvi-la por dias e dias, iria
tornar-se intolerável.
Além
disso, o prazer é uma experiência individual, centrada no eu, que pode
com facilidade deteriorar-se em egoísmo e entrar em conflito com o
bem-estar dos outros. Na intimidade sexual é claro que pode haver prazer
mútuo no dar e receber sensações prazerosas, mas esse prazer só pode
transcender o eu e contribuir para a felicidade genuína se a natureza da
mutualidade e do altruísmo generoso estiver no seu âmago. É possível
sentir o prazer à custa de outra pessoa, mas isso não traz felicidade. O
prazer pode estar associado à crueldade, à violência, ao orgulho, à
ganância e a outras condições mentais que são incompatíveis com a
verdadeira felicidade. “O prazer é a felicidade dos loucos, enquanto a
felicidade é o prazer dos sábios”, escreveu o romancista e crítico
francês Jules Barbey d’Aurevilly.
Algumas
pessoas sentem prazer até em vingar-se e em torturar outros seres
humanos. Desse ponto de vista, um homem de negócios pode regozijar-se
com a ruína de um competidor, um ladrão contemplando o fruto do roubo,
um espectador de uma tourada com a morte do touro. Mas esses são estados
de exaltação passageiros, às vezes mórbidos, que, como os momentos de
euforia positiva, não têm nada a ver com sukha, a felicidade genuína.
A
procura exacerbada e quase mecânica dos prazeres sensuais é outro
exemplo da gratificação intimamente ligada à obsessão, à avidez, à
inquietude e, de certa forma, ao desencanto. Na maioria das vezes, o
prazer não cumpre as promessas que faz, como descreve o poeta escocês
Robert Burns em “Tom O’Shanter”:
Mas os prazeres são como a papoula,
Nem bem colhida, já desfeita;
Ou como a neve caindo sobre o rio,
Clarões brancos para sempre desparecidos
Diferentemente do prazer, o florescer genuíno de sukha (felicidade)
pode ser influenciado pelas circunstâncias, mas não depende delas. Ele
perdura e aumenta com a experiência. Gera um sentimento de plenitude
que, no tempo devido, se torna uma segunda natureza.
A
felicidade autêntica não está ligada a uma ação, a uma atividade, mas é
um estado de ser, um profundo equilíbrio emocional decorrente de uma
sutil compreensão do funcionamento da mente. Enquanto os prazeres
ordinários se produzem no contato com objetos agradáveis e terminam
quando esse contato se interrompe, sukha – o bem-estar
duradouro – é sentido ao longo de todo o tempo em que permanecemos em
harmonia com nossa natureza interior. Um aspecto intrínseco desse
bem-estar é o seu altruísmo, que irradia do interior do ser, em vez de
focalizar-se no eu. Quem está em paz consigo mesmo contribui
espontaneamente para estabelecer a paz em sua família, em sua vizinhança
e, se as circunstâncias permitirem, na sociedade como um todo.
Em
resumo, não há relação direta entre o prazer e a felicidade. Essa
distinção não significa que não se devam buscar sensações agradáveis.
Não há razão para nos privarmos do deleite diante de uma paisagem
magnífica, da sensação de nadar no mar, do perfume de uma rosa, da
doçura de uma carícia ou da beleza de uma melodia. Os prazeres tornam-se
obstáculos somente quando perturbam o equilíbrio da mente e nos levam a
obsessão por gratificações ou a uma aversão a tudo que possa
impedi-los.
Apesar
de ser intrinsicamente diferente da felicidade, prazer não é inimigo
dela. Tudo depende da maneira como é vivido. Se o prazer está
contaminado com um forte desejo e impede a liberdade interior, dando
origem à avidez e à dependência, é um obstáculo à felicidade. Por outro
lado, se é vivido no momento presente, num estado de paz interior e
liberdade, o prazer adorna a felicidade sem obscurecê-la. Uma
experiência sensorial agradável, seja ela visual, auditiva, tátil,
olfativa, seja gustativa, não estará em oposição a sukha a
menos que esteja maculada pelo apego e gere avidez ou dependência. O
prazer torna-se suspeito quando provoca uma necessidade insaciável de
repetição.
Por
outro lado, quando é vivido perfeitamente no instante presente, como um
pássaro que cruza o céu sem deixar nenhum rastro, o prazer não aciona
nenhum dos mecanismos de obsessão, sujeição, fadiga ou desilusão que
costumam surgir quando experimentamos essas sensações. O desapego, como
sabemos, não é uma rejeição, mas uma liberdade que prevalece quando
deixamos de nos atar às causas do sofrimento. Em um estado de paz
interior, com conhecimento lúcido de como funciona a nossa mente, um
prazer que não obscurece sukha não é indispensável nem temível.
FELICIDADE E ALEGRIA
A
diferença entre felicidade e alegria é mais sutil. A felicidade genuína
irradia-se espontaneamente para o exterior em forma de alegria. Mas nem
sempre essa emoção interior manifesta-se de modo exuberante, podendo
mostrar-se como uma apreciação leve e luminosa do momento presente que
se estende ao momento seguinte, criando um contínuo que poderíamos
chamar de joie de vivre. Sukha também pode ser enriquecida por
surpresas, alegrias intensas e inesperadas, que são para ela como as
flores da primavera. E, no entanto, nem todas as formas de alegria
provêm de sukha – longe disso. Como enfatiza Christophe André
em seu trabalho sobre a psicologia da felicidade: “Há alegrias nada
saudáveis e muito distantes do sentimento sereno de felicidade, como a
alegria da vingança. [...] Existem também as felicidades calmas, muitas
vezes bem distantes da excitação inerente à alegria. [...] Pulamos de
alegria, não de felicidade.”
Vimos
como é difícil chegar a um acordo quanto à definição de felicidade e
precisar o significado da verdadeira felicidade. A palavra alegria é
igualmente vaga, já que, como mostrou o psicólogo Paul Ekman, está
associada a emoções tão variadas quanto os prazeres proporcionados pelos
cinco sentidos: a diversão (do sorriso leve à gargalhada); o
contentamento (um tipo mais calmo de satisfação); a excitação (em
resposta a uma novidade ou um desafio); o alívio (que sucede a uma
emoção, como o medo, a ansiedade e, às vezes, até o prazer); o
maravilhamento (diante de algo surpreendente, admirável ou que
ultrapasse o entendimento); o êxtase ou bem-aventurança (que nos
transporta para além de nós mesmo); a exultação (por ter conseguido
realizar uma tarefa difícil ou uma exploração ousada); orgulho radiante
(quando os nossos filhos são merecedores de alguma honraria especial); a
elevação (por ter testemunhado um ato grande bondade, generosidade ou
compaixão); a gratidão (a apreciação de um ato desapego do qual somos
beneficiários); e o júbilo doentio, Shadenfreude em alemão
(apreciar o sofrimento do outro, como no caso da vingança). Podemos
ainda acrescentar o regozijo (com a felicidade de outrem); o deleite ou
encantamento (um tipo radiante de contentamento); e a radiância, o
brilho, o resplendor espiritual (uma alegria serena que nasce de um
estado profundo de bem-estar e benevolência), que na realidade é mais um
estado de ser duradouro do que uma emoção passageira.
Todas
essas emoções possuem um elemento de alegria, geralmente trazem um
sorriso à face, e manifestam-se por uma expressão e tom de voz
específicos. Mas para que tragam alegria ou contribuam para ela, devem
estar livres de qualquer emoção negativa. Se acompanhada de raiva ou
inveja , a alegria extingue-se abruptamente. Com a chegada furtiva do
apego, do egoísmo ou de orgulho, ela é lentamente sufocada.
Para
que a alegria dure e amadureça com serenidade – para que seja, nas
palavras de Corneille, um “florescimento do coração” – ela deve estar
associada a outros aspectos da verdadeira felicidade: lucidez, clareza
mental, bondade amorosa, enfraquecimento gradual das emoções negativas,
desaparecimento do egoísmo e eliminação dos caprichos do ego.
VIVER INTENSAMENTE!
“Viver intensamente” tornou-se o leitmotiv
do homem moderno. Trata-se de uma hiperatividade compulsiva sem
qualquer pausa, sem brecha de tempo não-agendado, por medo de se
encontrar consigo mesmo. Pouco importa o significado da experiência,
desde que ela seja intensa. Vêm daí o gosto e a fascinação pela
violência, a exploração, a excitação máxima dos sentidos, os esportes
radicais. É preciso descer as cataratas do Niágara dentro de um barril,
só abrir o pára-quedas a alguns metros do solo, mergulhar a sem metros
de profundidade em apnéia. É preciso arriscar a vida por aquilo que não
vale a pena ser vivido, superar-se para ir a lugar nenhum. Então,
liguemos a todo volume cinco rádios e dez televisores ao mesmo tempo,
batamos a cabeça no muro e rolemos na graxa e no óleo diesel. Isso sim é
viver plenamente!
Sentimos
que a vida sem atividade constante seria fatalmente insípida. Amigos
meus que foram guias em excursões culturais na Ásia contaram-me que seus
clientes não conseguiam suportar a menor brecha no itinerário. “Não há
mesmo nada agendado entre as cinco e as sete?”, perguntavam eles,
ansiosos. Temos, ao que parece, muito medo de olhar para nós mesmos.
Estamos completamente focados no mundo exterior, da maneira como é
experienciado pelos cinco sentidos. Parece ingênuo acreditar que uma
busca tão febril de experiências intensas possa levar a uma qualidade de
vida rica e duradoura.
Se
dedicamos algum tempo para explorar nosso mundo interior, só o fazemos
sonhando acordados, fixados na imaginação e no passado ou fantasiando
infinitamente sobre o futuro. Um sentimento genuíno de realização,
associado à liberdade interior, também pode oferecer intensidade a cada
momento da vida, mas de um tipo muito diferente. Trata-se de uma
experiência cintilante de bem-estar interior, em que brilha a beleza de
cada coisa. Para que isso ocorra é preciso saber desfrutar o momento
presente, com vontade de alimentar o altruísmo e a serenidade, trazendo
para o amadurecimento a melhor parte de nós – modificar a si mesmo para
melhor transformar o mundo.
UMA INTENSIDADE ARTIFICIAL
Podemos
imaginar que a súbita obtenção de fama ou de riqueza satisfaria todos
os nossos desejos, mas na realidade é quase certo que a satisfação
obtida com essas realizações teria vida curta e não contribuiria em nada
para aumentar o nosso bem-estar. Encontrei um famoso cantor de Taiwan
que, tendo descrito seu desconforto e desencanto com a fama e a fortuna,
rompeu em lágrimas, gritando: “Ah, se eu pudesse não ter ficado
famoso!” Estudos mostraram que uma situação inesperada – ganhar na
loteria, por exemplo – pode levar a pessoa a sentir mais prazer por
algum tempo, mas a longo prazo não altera sua disposição para a
felicidade ou infelicidade. A grande maioria das pessoas estudadas que
ganharam na loteria passou por um período de exaltação logo depois do
golpe de sorte, mas um ano depois o nível de satisfação tinha voltado ao
habitual. 3 E, ás vezes, um evento como esse, presumivelmente invejável, desestabiliza a vida do “feliz vencedor”.
O
falecido psicólogo Michael Argyle cita o caso de uma mulher inglesa de
vinte e quatro anos que ganhou na loteria um prêmio de mais de um milhão
de libras esterlinas. Ela largou o emprego e entregou-se ao ócio.
Comprou uma casa nova num bairro elegante e descobriu-se abandonada
pelos amigos; comprou um carro extravagente, mesmo sem saber dirigir;
comprou montanhas de roupas, a maior parte das quais nunca saiu de
dentro do armário; frequentava restaurantes finos, mas preferia comer
peixe com batatas fritas. Um ano depois, sofria de depressão, pois sua
vida estava vazia e desprovida de qualquer satisfação.
Todos
sabemos como a nossa sociedade de consumo é esperta e incansável em
inventar um sem-número de prazeres fictícios, e em, laboriosamente,
desenvolver estimulantes com o propósito de nos manter em estado
constante de tensão emocional, que na verdade nos leva a um tipo de
anestesia mental. Um amigo tibetano que contemplava os painéis luminosos
de propaganda em Nova Iorque comentou: “Eles estão tentando roubar as
nossas mentes.” Há uma clara diferença entre a verdadeira alegria, que é
a manifestação natural do bem-estar, e a euforia ou exaltação causadas
por excitações passageiras. Qualquer excitação superficial que não
esteja ancorada em um contentamento duradouro quase invariavelmente é
seguida pelo desapontamento.
O SOFRIMENTO E A INFELICIDADE
Assim como fizemos uma diferenciação entre a felicidade e o prazer,
podemos também fazer uma distinção entre o sofrimento e a infelicidade.
Passamos pelo sofrimento, mas criamos a infelicidade. A palavra
sânscrita dukha, o oposto de sukha, não define apenas
uma sensação desagradável, mas reflete uma vulnerabilidade fundamental
ao sofrimento e à dor, que podem, em última instância, levar à sensação
de exaustão com relação ao mundo e ao sentimento de que não vale a pena
viver, porque não é possível encontrar um sentido para a vida. Sartre
coloca estas palavras na boca do protagonista do livro A náusea:
Se
alguém tivesse me perguntando o que significa estar vivo, eu de boa-fé
teria respondido que não significa nada, é meramente um recipiente vazio
[...]. Nós somos apenas um monte de vidas impraticáveis, todos
perturbados consigo mesmos. Não tínhamos a menor razão para estar aqui,
nenhum de nós. Cada ser vivo, confuso, obscuramente ansioso, sentindo-se
supérfluo… Eu era supérfluo também [...] Tina confusas ideias sobre
acabar comigo mesmo, para livrar o mundo de pelo menos uma dessas vidas
supérfluas.
A crença de que o mundo seria melhor sem a nossa presença é uma causa frequente de suicídio.
Um
estudo realizado com tetraplégicos mostrou que, apesar de a maior parte
deles admitir ter inicialmente pensado no suicídio, um ano depois da
paralisia somente 10% considerava ter uma vida miserável, enquanto a
maior parte julgava a sua vida boa. O sofrimento pode ser provocado
por numerosas causas, sobre as quais às vezes temos algum poder e às
vezes nenhum. Nascer com uma deficiência, cair doente, perder alguém que
amamos, presenciar uma guerra ou um desastre natural. Essas situações
estão além do nosso controle. A infelicidade é completamente diferente,
já que é o modo pelo qual vivenciamos o nosso sofrimento. A infelicidade pode de fato estar associada à dor física e moral infligida por circunstâncias exteriores, mas não está essencialmente ligada a ela.
Já
que a mente que traduz o sofrimento em infelicidade, é da
responsabilidade da mente dominar a percepção que tem do sofrimento. A
mente é maleável. Uma mudança, mesmo que pequena, no modo como lidamos
com os nossos pensamentos, como percebemos e interpretamos o mundo, pode
transformar significativamente a nossa existência. Mudar o modo como
experienciamos as emoções transitórias leva a uma alteração da nossa
disposição, do nosso ânimo, provocando uma transformação duradoura na
nossa maneira de ser. Essa “terapia” tem como alvo os sofrimentos que
afligem a maior parte de nós e busca promover o nosso florescimento,
dando-nos uma orientação para a vida.
EXERCÍCIO: Distinguir entre felicidade e prazer
Traga
à sua mente uma experiência passada em que você sentiu prazer físico,
com toda a intensidade. Lembre-se de como você desfrutou essa
experiência no início e como ela foi se transformando em um sentimento
neutro, talvez até despertando cansaço ou falta de interesse. Ela trouxe
a você uma realização interior duradoura?
Lembre-se,
então, de uma ocasião em que tenha sentido alegria interior e
felicidade. Recorde-se do que sentiu, por exemplo, quando fez outra
pessoa realmente feliz, ou um momento calmo em que desfrutou a companhia
de alguém que ama, ou ainda quando contemplou uma bela paisagem.
Perceba o efeito duradouro que essa experiência teve em sua mente e como
ela alimenta, ainda hoje, sentimento de realização. Compare a qualidade
desse estado de ser como o anterior, produzido por uma sensação
passageira de prazer.
Aprenda a valorizar esses momentos de profundo bem-estar e aspire a
encontrar maneiras para desenvolvê-los cada vez mais.
O CONTENTAMENTO INTERIOR: O Dalai Lama fala sobre o assunto.
Nno livro ‘A arte da Felicidade’, Dr. Cutler relata outro encontro com o Dalai Lama sobre o Tema:
Ao atravessar o estacionamento para ir me encontrar com o Dalai-Lama
numa tarde, parei para admirar um Toyota Land Cruiser novinho em folha, o
tipo de carro que vinha querendo havia muito tempo. Ainda com o carro
na cabeça quando comecei minha sessão, fiz uma pergunta.
-
Às vezes parece que toda a nossa cultura, a cultura ocidental, se
baseia nas aquisições materiais. Vivemos cercados, bombardeados, por
anúncios das últimas novidades a comprar, do último modelo de automóvel e
assim por diante. É difícil não ser influenciado por isso. São tantas
as coisas que queremos, que desejamos.
Parece que não têm fim. O senhor poderia falar um pouco sobre o desejo?
-
Creio que há dois tipos de desejo – respondeu o Dalai-Lama. – Certos
desejos são positivos. O desejo da felicidade. É absolutamente certo. O
desejo da paz. O desejo de um mundo mais harmonioso, mais amigo. Certos
desejos são muito úteis.
“Mas,
a certa altura, os desejos podem tornar-se absurdos. Isso geralmente
resulta em problemas. Ora, por exemplo, eu às vezes visito
supermercados. Realmente adoro supermercados porque posso ver muita
coisa bonita. E assim, quando olho para todos aqueles artigos
diferentes, surge em mim uma sensação de desejo, e meu impulso inicial
poderia ser: `Ah, eu quero isso e mais aquilo’. Brota então um segundo
pensamento e eu me pergunto: `Ora, será que eu preciso mesmo disso?’
Geralmente a resposta é `não’. Se obedecermos àquele primeiro desejo, àquele impulso inicial, muito em breve estarem de bolsos vazios.
No
entanto, o outro nível de desejo, baseado nas nossas necessidades
essenciais de alimentação, vestuário e moradia, é algo mais razoável.
“Às
vezes, determinar se um desejo é excessivo ou negativo é algo que
depende das circunstâncias ou da sociedade em que se vive. Por exemplo,
para quem vive numa sociedade afluente na qual é preciso um carro para
ajudar a pessoa a cumprir a rotina diária, nesse caso não há nada de
errado em querer ter um carro. Porém, se a pessoa mora num lugarejo
pobre na Índia, onde se pode viver muito bem sem um carro, e ainda sente
o desejo de ter um, mesmo que disponha do dinheiro para comprá-lo, essa
compra pode acabar causando problemas. Pode gerar um sentimento de
perturbação entre os vizinhos, entre outras coisas. Ou, caso se viva
numa sociedade mais próspera e se tenha um carro mas não se pare de
querer carros sempre mais caros, isso também leva ao mesmo tipo de
problema.”
-
Mas eu não consigo ver como querer ou comprar um carro mais caro causa
problemas para o indivíduo, desde que ele tenha condições para isso. Ter
um carro mais caro do que os de seus vizinhos poderia ser um problema
para eles (pois poderiam sentir inveja ou algo semelhante) mas ter um
carro novo daria à pessoa, em si, uma sensação de satisfação e prazer.
O Dalai-Lama abanou a cabeça e respondeu com firmeza.
-
Não… A satisfação pessoal em si não pode determinar se um desejo ou ato
é positivo ou negativo. Um assassino pode ter uma sensação de
satisfação no momento em que comete o assassinato, mas isso não
justifica o ato. Todas as ações condenáveis, a mentira, o roubo, o
adultério, entre outras, são cometidas por pessoas que podem na ocasião
ter um sentimento de satisfação. O que distingue um desejo ou ato
positivo de um negativo não é a possibilidade de ele lhe proporcionar
uma satisfação imediata mas, sim, se ele acaba gerando conseqüências
positivas ou negativas. Por exemplo, no caso do anseio por bens mais
caros, se ele estiver baseado numa atitude mental que simplesmente quer
cada vez mais, a pessoa acaba atingindo um limite daquilo que consegue
adquirir e se defronta com a realidade. E, quando ela chega a esse
limite, perde toda a esperança, mergulha na depressão e assim por
diante. É um perigo inerente a essa espécie de desejo.
“E,
para mim, esse tipo de desejo excessivo gera a ganância, manifestação
exagerada do desejo, baseada na exacerbação das expectativas. E, quando
refletimos sobre os excessos da ganância, concluímos que ela conduz o
indivíduo a uma sensação de frustração, decepção, a muita confusão e
muitos problemas. Quando se trata de lidar com a ganância, um aspecto
perfeitamente característico é que, embora ela decorra do desejo de
obter alguma coisa, ela não se satisfaz com a obtenção. Torna-se,
portanto, algo meio sem limites, como um poço sem fundo, e isso gera
perturbação. Um traço interessante da ganância é que, apesar de seu
motivo subjacente ser a busca da satisfação, mesmo depois da obtenção do
objeto do seu desejo, a pessoa ainda não está satisfeita, o que é uma
ironia. O verdadeiro antídoto para a ganância é o contentamento. Se a
pessoa tiver um forte sentido de contentamento, não faz diferença se
consegue o objeto desejado ou não. De uma forma ou de outra, ela
continua contente.”
”A
nossa cultura, como a nossa própria experiência, pode perpetuar
inverdades sobre as fontes da felicidade. A economia, por exemplo. A
única maneira de a nossa economia se perpetuar é se muitas pessoas
acreditarem no que Adam Smith chamou de “um engano” – o consumo
constante trará felicidade. As economias são um motor, e a produção e
consumo constantes são o combustível. Portanto, se todos perceberem, um
dia, que o consumo e a produção constantes não são uma fonte de
felicidade – que tudo o que eles realmente fazem é manter a economia
funcionando – quantos de nós iríamos nos levantar de manhã e dizer: “Eu
sei que isso não vai me faz feliz, mas eu quero manter a economia
funcionando?”
Nós
não fazemos isso. Nós nos levantamos de manhã e dizemos: “O que vai me
fazer feliz?” Então, a única maneira de sermos um combustível eficiente
para o motor da economia, é aderindo ao grande mito cultural de que
“coisas” nos fazem felizes. Nós pulamos em nossa rodinha de rato,
metaforicamente falando, e ganhamos dinheiro. Isso não nos traz a
felicidade que pensávamos que teríamos, então presumimos que não
ganhamos o suficiente. Nós provavelmente precisamos ganhar mais. O Palio
não é suficiente; o Audi deve ser. A velha esposa não é boa o
suficiente; vamos arrumar uma nova. Nós continuamos imaginando que se
essas coisas não estão nos trazendo felicidade, são porque são as coisas
erradas, ao invés de reconhecer que a própria busca é inútil – que,
independentemente do que possamos alcançar na busca das coisas, elas
nunca trarão um estado contínuo de felicidade.” - Daniel Gilbert
Alguns
meses após as palestras do Dalai-Lama no Arizona, fui visitá-lo em casa
em Dharamsala. Era uma tarde muito quente e úmida em julho, e cheguei à
sua casa empapado de suor depois de uma curta caminhada a partir do
lugarejo. Por eu vir de um clima seco, a umidade naquele dia me parecia
quase insuportável, e eu não estava com o melhor dos humores quando nos
sentamos para começar a conversar. já ele parecia estar animadíssimo.
Pouco depois do início da conversa, nós nos voltamos para o tópico do
prazer. A certa altura, ele fez uma observação crucial.
— Agora, as pessoas às vezes confundem a felicidade com o prazer.
Por
exemplo, há não muito tempo eu estava falando a uma platéia indiana em
Rajpur. Mencionei que o propósito da vida era a felicidade, e alguém da
platéia disse que Rajneesh ensina que nossos momentos mais felizes
ocorrem durante a atividade sexual e que, logo, é através do sexo que
podemos nos tornar mais felizes.
— O Dalai-Lama deu uma risada gostosa.
—
Ele queria saber o que eu achava da idéia. Respondi que, do meu ponto
de vista, a maior felicidade é a de quando se atinge o estágio de
Liberação, no qual não mais existe sofrimento. Essa é a felicidade
genuína, duradoura.
A
verdadeira felicidade está mais relacionada à mente e ao coração. A
felicidade que depende principalmente do prazer físico é instável. Um
dia, ela está ali; no dia seguinte, pode não estar.
Em
termos superficiais, sua observação parecia bastante óbvia. É claro que
a felicidade e o prazer são sensações diferentes. E no entanto, nós, os
seres humanos, costumamos ter um talento especial para confundi-las.
Não
muito depois de voltar para casa, durante uma sessão de terapia com uma
paciente, eu viria a ter uma demonstração concreta de como pode ser
importante essa simples percepção.
Heather
era uma jovem profissional liberal solteira que trabalhava como
psicóloga na região de Phoenix. Embora gostasse do emprego que tinha, no
qual trabalhava com jovens problemáticos, já havia algum tempo ela
vinha se sentindo cada vez mais insatisfeita com a vida na região.
Costumava
queixar-se da população crescente, do trânsito e do calor sufocante no
verão. Fizeram-lhe a oferta de um emprego numa linda cidadezinha nas
montanhas. Na realidade, ela já visitara a cidadezinha muitas vezes e
sempre sonhara em se mudar para lá. Era perfeito. O único problema era
que o emprego que lhe ofereciam envolvia o trabalho com uma clientela
adulta. Havia semanas, ela lutava com a decisão de aceitar ou não o novo
emprego. Simplesmente não conseguia se decidir. Tentou fazer uma lista
de prós e contras, mas dela resultou um empate irritante.
—
Eu sei que não gostaria do trabalho lá tanto quanto do daqui, mas isso
seria mais do que compensado pelo mero prazer de morar naquela cidade!
Eu realmente adoro aquilo lá. Só estar lá já faz com que eu me sinta
bem. E estou tão cansada do calor aqui que simplesmente não sei o que
fazer.
Seu uso do termo “prazer” me fez lembrar as palavras do Dalai-Lama; e, procurando me aprofundar um pouco, fiz uma pergunta.
— Você acha que mudar para lá lhe traria maior felicidade ou maior prazer?
Ela ficou calada um instante, sem saber como encarar a pergunta.
—
Não sei… — respondeu afinal. — Sabe de uma coisa? Acho que me traria
mais prazer do que felicidade… Em última análise, acho que não seria
realmente feliz trabalhando com aquela clientela. Acho que é mesmo muito
gratificante trabalhar com os jovens no meu emprego…
A
simples reformulação do seu dilema em termos de “Será que isso vai me
trazer felicidade?” pareceu conferir uma certa clareza. De repente,
ficou muito mais fácil para ela tomar a decisão. E resolveu permanecer
em Phoenix. É claro que ainda se queixava do calor do verão. No entanto,
decidir em plena consciência ficar em Phoenix, com base naquilo que ela
achava que acabaria por fazê-la mais feliz, de algum modo tornou o
calor mais suportável.
Embora
não haja soluções fáceis para evitar esses prazeres destrutivos,
felizmente temos por onde começar: o simples lembrete de que o que
estamos procurando na vida é a felicidade. Como o Dalai-Lama salienta,
esse é um fato inconfundível. Se abordarmos nossas escolhas na vida
tendo isso em mente, será mais fácil renunciar a atividades que acabam
nos sendo prejudiciais, mesmo que elas nos proporcionem um prazer
momentâneo. O motivo pelo qual costuma ser tão difícil adotar o “É só
dizer não!” encontrasse na palavra “não”. Essa abordagem está associada a
uma noção de rejeitar algo, de desistir de algo, de nos negarmos algo.
Existe,
porém, um enfoque melhor: enquadrar qualquer decisão que enfrentemos
com a pergunta “Será que ela me trará felicidade?” Essa simples pergunta
pode ser uma poderosa ferramenta para nos ajudar a gerir com habilidade
todas as áreas da nossa vida, não apenas na hora de decidir se vamos
nos permitir o uso de drogas ou aquele terceiro pedaço de torta de
banana com creme. Ela permite que as coisas sejam vistas de um novo
ângulo. Lidar com nossas decisões e escolhas diárias com essa questão em
mente desvia o foco daquilo que estamos nos negando para aquilo que
estamos buscando — a máxima felicidade. Uma felicidade definida pelo
Dalai-Lama como estável e persistente. Um estado de felicidade que,
apesar dos altos e baixos da vida e das flutuações normais do humor,
permanece como parte da própria matriz do nosso ser. A partir dessa
perspectiva, é mais fácil tomar a “decisão acertada” porque estamos
agindo para dar algo a nós mesmos, não para negar ou recusar algo a nós
mesmos — uma atitude de movimento na direção de algo, não de
afastamento; uma atitude de união com a vida, não de rejeição a ela.
Essa percepção subjacente de estarmos indo na direção da felicidade pode
exercer um impacto profundo. Ela nos torna mais receptivos, mais
abertos, para a alegria de viver.
Janice exibe na foto, alguns de seus sapatos, ao todo são 92 pares.
”Uma
vez seduzidos pelo hábito de comprar para ter felicidade é difícil
parar. Não importa o quanto já se comprou, se a dinâmica está enraizada,
há sempre mais para adquirir, novos prazeres, outras pessoas a
desbancar.
Há
semelhanças entre comprar e o sexo casual: o desejo, a caça. a
conquista, o prazer e depois a sensação de vazio. Comprar se transformou
numa forma de lazer e satisfação. É o que as pessoas fazem no final de
semana. O que você tem virou sinônimo do que você sabe, pois significa
que você conhece o que há de mais sofisticado na existência. No entanto,
esta dinâmica, é companhada por sentimentos de inveja, ganância e até
de prazer diante da desgraça alheia.
O resultado final é um sentimento de separação e vazio, de ser um fantasma que se pergunta: ”A vida é só isso?”
Mais:
a felicidade sequer depende do quanto uma pessoa ganha, mesmo que seja
muito e além da média. Lewis Lapham fez um estudo com norte-americanos
de diferentes faixas salarais, perguntando quanto teriam que ganhar para
considerar-se verdadeiramente felizes.
O
resultado demonstrou o seguinte: praticamente todos os entrevistados
responderam que teriam que ganhar o dobro do que recebiam naquele
momento.
Logo,
quem estava na faixa dos 50 mil dólares (cerca de 4 mil dólares ao mês)
almejava 100 mil (cerca de 8 mil dolares ao mês). Da mesma forma, quem
contabilizava 1 milhão de dolares ansiava por 2 milhões.
Esse foi o resultado: mesmo a riqueza acima do padrão médio de conforto faz pouca diferença em nossa felicidade.
O
psicologo Tim Wilson, estudioso no assunto diz ”Não nos damos conta de
como nos adaptamos rapidamente aos eventos prazerosos, fazendo eles um
pano de fundo da vida. Qualquer coisa que nos aconteça se transforma em
algo comum. E quando aquilo se torna comum, perdemos o prazer.
Então partimos para a proxima conquista e fazemos o mesmo erro, novamente.
Obviamente, a felicidade só é possivel no momento presente, qualquer seja seu salário.” – Artur Jeon em Calma no Caos
EXERCÍCIO Como começar a meditar
Não
importa quais sejam as circunstâncias externas que se apresentem na sua
vida – sempre há, lá no fundo, bem dentro de você, um potencial pronto
pra desabrochar. É um potencial de bondade amorosa, compaixão e paz
interior. Tente entrar em contato com ele e vivenciá-lo – um potencial
que está sempre presente, como uma pepita de ouro, no seu coração e na
sua mente.
Esses
recursos potenciais precisam ser desenvolvidos e amadurecidos para que
você obtenha um sentimento mais estável de bem-estar. No entanto, esse
processo não acontecerá por si. Você precisa desenvolvê-lo como uma
habilidade. Para tanto, comece por conhecer melhor a sua própria mente.
Este é o início da meditação.
Sente-se
calmamente, numa postura confortável mas equilibrada. Qualquer que seja
o modo de sentar-se – com as pernas cruzadas, numa almofada, ou mais
convencionalmente, numa cadeira – tente manter as costas eretas, mas sem
ficar tenso. Apóie as mãos nos joelhos, nas coxas ou colo. Mantenha o
seu olhar leve e dirigido para o espaço à sua frente, e respire
naturalmente. Observe a sua mente, o ir e vir dos seus pensamentos. No
começo, pode parecer que, ao serem observados, os pensamentos, em vez de
diminuírem, tomem conta da sua mente, como se viessem aos borbotões de
uma cachoeira. Apenas observe-os, à medida que surgem. Deixe-os virem e
irem embora, sem tentar impedi-los, mas também sem alimentá-los.
No final da prática, reserve alguns momentos para saborear o calor e a alegria que resultam de uma mente mais calma.
Passado
algum tempo, os seus pensamentos se tornarão como um rio calmo e
pacífico. Se você praticar esse exercício com regularidade, sua mente se
tornará naturalmente serena, como um oceano calmo e tranquilo. Sempre
que surgirem novos pensamentos, como ondas trazidas pelos ventos, não se
deixe perturbar por ele; logo se dissolverão, de volta ao oceano.
OS HÁBITOS DA FELICIDADE
Vídeo:
O
bioquímico que se tornou monge Budista Matthieu Ricard diz que nós
podemos treinar nossa mente com hábitos de bem estar, para gerar um
verdadeiro sentido de serenidade e plenitude.