Demita seus mestes externos



• por Stela Lecocq Muller

Foto: •• DEMITA SEUS MESTRES EXTERNOS ••

• por Stela Lecocq Muller
• imagem por Matias S. Gonzalez

"É hora de acabar com a dependência e nos tornarmos tão grandes quanto os mestres, ditos "Representantes Divinos" que seguimos – tão autênticos, peculiares e obstinados quanto eles. Eu costumava seguir alguns deles com devoção. Devorava seus livros, não perdia um seminário, um ritual e me sentava a seus pés. Durante anos, inclusive, viajei para a Índia, famosa por ser o país com maior índice de mestres por metro quadrado. Todos que eu encontrava prometiam algum tipo de libertação: um dizia que seria por meditação, outro que seria por Yoga ou recitação de mantras.

Havia os que eram a própria encarnação do amor; outros eram rudes e investiam sem piedade contra seus seguidores até lhes despedaçar o ego. Contudo, comecei a questionar se a relação entre um mestre e seus seguidores seria mesmo a melhor maneira de atingir a libertação. Afinal, pouquíssimas vezes encontrei um seguidor que houvesse alcançado a iluminação ou o paraíso. A maioria dos seguidores são gente devota e fanática, mas que duvida muito de si mesma, e se coloca no primeiro degrau da escada, porque acha que o último degrau apenas ao mestre pertence - que ilusão mais diminutiva não é mesmo ? Será este um sentimento de respeito, baixa auto estima ou seria medo mesmo ???

O mestre zen chinês Lin Chi chamava a atenção para o perigo dos representantes divinos. Ele via como seus contemporâneos transferiam a responsabilidade por seu bem-estar espiritual para os outros. Com isso as pessoas abriam mão de seu poder. Essa observação levou-o a fazer uma declaração que se tornaria célebre: “Se o Buda cruzar seu caminho, mate-o”. Se você acha que vai encontrar a iluminação fora de si mesmo, está no caminho errado. Os ensinamentos de Lin Chi se mantêm atuais ainda hoje. Apesar da extrema individualização do mundo ocidental, as pessoas continuam em busca de algo em que se apoiar, pois ninguém lhe reforça e lhe motiva a entender que elas mesmas são um maravilhoso e poderoso apoio à sí mesmas. Hoje há mais representantes divinos do que nunca.

O cientista social americano John McKnight há mais de 40 anos estuda o efeito destes representantes sobre a sociedade.
“Todas as vezes que procuramos alguém para servir-nos de ponte para o divino, abrimos mão de uma parte de nós mesmos, pois nós somos os próprios representantes. Nós somos a ponte por nós mesmos. Com sua atuação, estes mestres esvaziaram a alma da comunidade”, diz ele em The Careless Society (A Sociedade Negligente). E estes mestres não são os únicos que tendem a tornar as pessoas dependentes. Pais e educadores muitas vezes fazem o mesmo.

Quantos deles veem o “Buda” nas crianças ? Quase nunca perguntamos às crianças quem elas são, e sim o que desejam ser. A mensagem subjacente é a seguinte: vocês não são coisa alguma, mas se fizerem o que recomendamos, poderão se tornar alguém no futuro. A ideia de que temos de nos tornar alguma coisa para sermos bem-sucedidos, livres ou felizes é um enorme mal-entendido. A convicção de que um caminho externo pode nos guiar a algo melhor é a razão pela qual praticamente ninguém jamais chega a seu destino.

Naturalmente, alguns personagens não ficaram encurralados nessa mútua dependência. Esses são os verdadeiros mestres, que não possuem seguidores nem tietes, apenas companheiros de caminhada, porque sabem que a liberdade espiritual só pode ser alcançada por aqueles que ousam se apresentar nus perante a verdade, sem dependência prévia a uma doutrina... aliás, se dependesse deles mesmos, Jesus jamais teria se tornado cristão, tampouco Buda seria budista. Esses mestres apenas seguiam antes de tudo, a sí mesmos, e quem tiver a coragem de estudar a história deles com a mente aberta, entenderá muito bem o que estou a dizer.

O analista Carl Gustav Jung é mais um exemplo. Certa vez, ele disse: “Graças a Deus que não sou Junguiano”. Jung referia-se ao que considerava um problema de relações desiguais em todas as formas de terapia. Ele acreditava que a cura só poderia acontecer se houvesse espaço para a pessoa em toda a sua inteireza. Uma relação desigual implica a existência de uma muralha que o seguidor dificilmente terá condições de atravessar. Superar o mestre é difícil, sobretudo se aprendemos a não confiar em nossa própria sabedoria e nossa própria luz. O seguidor não percorre uma trajetória própria, e sim a de um outro, porque se trata de um caminho já palmilhado. Portanto, não há necessidade de muito esforço para segui-lo. A conclusão a que o mestre chega – o resultado do trabalho espiritual – não é a mesma a que chega seu seguidor.

O mestre experimentou tanto a trajetória quanto o destino. O discípulo conhece apenas o destino, conforme descrito pelo mestre. Esta é a razão pela qual os discípulos, devotos e fanáticos quase sempre são mais santos do que o próprio Papa e mais radicais em suas opiniões do que o próprio mestre. Tais opiniões, não raro, podem ser reduzidas a cápsulas de fácil digestão. Afinal, quanto mais inseguras forem as pessoas, mais se apegarão à dita “verdade”. Além disso, a maior parte dos discípulos não entende totalmente os ensinamentos do mestre, por isso, insights sutis e complexos tem que ser pasteurizados pelo mestre, em conceitos de fácil entendimento.

O paradoxo que muita gente encontra em sua busca por iluminação se deve ao fato de que esse estado de consciência não corresponde ao apego a “verdades alheias” e “fatos”. Um fato não é uma verdade, e sim uma criação. Portanto, não perdemos nossa “natureza búdica” por causa daquilo que não sabemos, e sim por causa daquilo que estamos convictos de saber, porque outras pessoas assim nos disseram. No momento em que nos convencemos de que alguma coisa é fato, perdemos contato com a realidade.

Talvez estes representantes divinos não sejam mestres a serem imitados. Talvez sejam apenas exemplos que podem nos servir de inspiração para nossa própria caminhada. Eles nos mostram que é possível atingir um estado superior de consciência, mas cabe a nós, somente a nós, chegar lá. Portanto, é hora de mandar embora os mestres (fatos, verdades, crenças, princípios, medos, dogmas e imposições) para que o verdadeiro Mestre, aquele dentro de nós aflore. É hora de nos tornarmos tão grandes quanto os mestres que seguimos – tão autênticos, peculiares e obstinados quanto eles. Deus, luz e amor não precisam de Representantes, pois todos os seres humanos, cada um de nós, já representamos isso tudo mediante nossa existência. Você não precisa de nenhuma ponte para sentir e se conectar ao Divino, à Iluminação. Você é a própria PONTE e a própria LUZ.

E no final de toda a minha reflexão, finalmente o meu tratamento deu certo: os meus mestres morreram e eu renascí para a minha própria força e natureza."

Namastê
Espaço SELF

"É hora de acabar com a dependência e nos tornarmos tão grandes quanto os mestres, ditos "Representantes Divinos" que seguimos – tão autênticos, ...peculiares e obstinados quanto eles. Eu costumava seguir alguns deles com devoção. Devorava seus livros, não perdia um seminário, um ritual e me sentava a seus pés. Durante anos, inclusive, viajei para a Índia, famosa por ser o país com maior índice de mestres por metro quadrado. Todos que eu encontrava prometiam algum tipo de libertação: um dizia que seria por meditação, outro que seria por Yoga ou recitação de mantras.

Havia os que eram a própria encarnação do amor; outros eram rudes e investiam sem piedade contra seus seguidores até lhes despedaçar o ego. Contudo, comecei a questionar se a relação entre um mestre e seus seguidores seria mesmo a melhor maneira de atingir a libertação. Afinal, pouquíssimas vezes encontrei um seguidor que houvesse alcançado a iluminação ou o paraíso. A maioria dos seguidores são gente devota e fanática, mas que duvida muito de si mesma, e se coloca no primeiro degrau da escada, porque acha que o último degrau apenas ao mestre pertence - que ilusão mais diminutiva não é mesmo ? Será este um sentimento de respeito, baixa auto estima ou seria medo mesmo ???

O mestre zen chinês Lin Chi chamava a atenção para o perigo dos representantes divinos. Ele via como seus contemporâneos transferiam a responsabilidade por seu bem-estar espiritual para os outros. Com isso as pessoas abriam mão de seu poder. Essa observação levou-o a fazer uma declaração que se tornaria célebre: “Se o Buda cruzar seu caminho, mate-o”. Se você acha que vai encontrar a iluminação fora de si mesmo, está no caminho errado. Os ensinamentos de Lin Chi se mantêm atuais ainda hoje. Apesar da extrema individualização do mundo ocidental, as pessoas continuam em busca de algo em que se apoiar, pois ninguém lhe reforça e lhe motiva a entender que elas mesmas são um maravilhoso e poderoso apoio à sí mesmas. Hoje há mais representantes divinos do que nunca.

O cientista social americano John McKnight há mais de 40 anos estuda o efeito destes representantes sobre a sociedade.
“Todas as vezes que procuramos alguém para servir-nos de ponte para o divino, abrimos mão de uma parte de nós mesmos, pois nós somos os próprios representantes. Nós somos a ponte por nós mesmos. Com sua atuação, estes mestres esvaziaram a alma da comunidade”, diz ele em The Careless Society (A Sociedade Negligente). E estes mestres não são os únicos que tendem a tornar as pessoas dependentes. Pais e educadores muitas vezes fazem o mesmo.

Quantos deles veem o “Buda” nas crianças ? Quase nunca perguntamos às crianças quem elas são, e sim o que desejam ser. A mensagem subjacente é a seguinte: vocês não são coisa alguma, mas se fizerem o que recomendamos, poderão se tornar alguém no futuro. A ideia de que temos de nos tornar alguma coisa para sermos bem-sucedidos, livres ou felizes é um enorme mal-entendido. A convicção de que um caminho externo pode nos guiar a algo melhor é a razão pela qual praticamente ninguém jamais chega a seu destino.

Naturalmente, alguns personagens não ficaram encurralados nessa mútua dependência. Esses são os verdadeiros mestres, que não possuem seguidores nem tietes, apenas companheiros de caminhada, porque sabem que a liberdade espiritual só pode ser alcançada por aqueles que ousam se apresentar nus perante a verdade, sem dependência prévia a uma doutrina... aliás, se dependesse deles mesmos, Jesus jamais teria se tornado cristão, tampouco Buda seria budista. Esses mestres apenas seguiam antes de tudo, a sí mesmos, e quem tiver a coragem de estudar a história deles com a mente aberta, entenderá muito bem o que estou a dizer.

O analista Carl Gustav Jung é mais um exemplo. Certa vez, ele disse: “Graças a Deus que não sou Junguiano”. Jung referia-se ao que considerava um problema de relações desiguais em todas as formas de terapia. Ele acreditava que a cura só poderia acontecer se houvesse espaço para a pessoa em toda a sua inteireza. Uma relação desigual implica a existência de uma muralha que o seguidor dificilmente terá condições de atravessar. Superar o mestre é difícil, sobretudo se aprendemos a não confiar em nossa própria sabedoria e nossa própria luz. O seguidor não percorre uma trajetória própria, e sim a de um outro, porque se trata de um caminho já palmilhado. Portanto, não há necessidade de muito esforço para segui-lo. A conclusão a que o mestre chega – o resultado do trabalho espiritual – não é a mesma a que chega seu seguidor.

O mestre experimentou tanto a trajetória quanto o destino. O discípulo conhece apenas o destino, conforme descrito pelo mestre. Esta é a razão pela qual os discípulos, devotos e fanáticos quase sempre são mais santos do que o próprio Papa e mais radicais em suas opiniões do que o próprio mestre. Tais opiniões, não raro, podem ser reduzidas a cápsulas de fácil digestão. Afinal, quanto mais inseguras forem as pessoas, mais se apegarão à dita “verdade”. Além disso, a maior parte dos discípulos não entende totalmente os ensinamentos do mestre, por isso, insights sutis e complexos tem que ser pasteurizados pelo mestre, em conceitos de fácil entendimento.

O paradoxo que muita gente encontra em sua busca por iluminação se deve ao fato de que esse estado de consciência não corresponde ao apego a “verdades alheias” e “fatos”. Um fato não é uma verdade, e sim uma criação. Portanto, não perdemos nossa “natureza búdica” por causa daquilo que não sabemos, e sim por causa daquilo que estamos convictos de saber, porque outras pessoas assim nos disseram. No momento em que nos convencemos de que alguma coisa é fato, perdemos contato com a realidade.

Talvez estes representantes divinos não sejam mestres a serem imitados. Talvez sejam apenas exemplos que podem nos servir de inspiração para nossa própria caminhada. Eles nos mostram que é possível atingir um estado superior de consciência, mas cabe a nós, somente a nós, chegar lá. Portanto, é hora de mandar embora os mestres (fatos, verdades, crenças, princípios, medos, dogmas e imposições) para que o verdadeiro Mestre, aquele dentro de nós aflore. É hora de nos tornarmos tão grandes quanto os mestres que seguimos – tão autênticos, peculiares e obstinados quanto eles. Deus, luz e amor não precisam de Representantes, pois todos os seres humanos, cada um de nós, já representamos isso tudo mediante nossa existência. Você não precisa de nenhuma ponte para sentir e se conectar ao Divino, à Iluminação. Você é a própria PONTE e a própria LUZ.

E no final de toda a minha reflexão, finalmente o meu tratamento deu certo: os meus mestres morreram e eu renascí para a minha própria força e natureza."

Namastê
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