Temos
falado muito da possibilidade de mudança. Como isso acontece no
contexto da formação contemplativa? Sabemos que as emoções duram alguns
segundos, que os humores duram, digamos, um dia, e que o temperamento é
algo que se modela com o passar dos anos. Portanto, se queremos mudar, é
obvio que precisamos primeiro agir com relação às emoções, e isso
ajudará a modificar nossos humores, que, por fim, se estabilizarão na
forma de um temperamento modificado. Em outras palavras, precisamos
começar a trabalhar com os acontecimentos instantâneos que ocorrem na
mente.
Como dizemos, se cuidarmos dos minutos, as horas cuidarão de si
mesmas. Quando falamos em meditação, a palavra usada em tibetano significa, na verdade, “familiarização”.Precisamos nos familiarizar com um novo modo de lidar com o surgimento
dos pensamentos. No início, quando surge um pensamento de ira, desejo ou
ciúme, não estamos preparados para ele. Portanto, em poucos segundos,
esse pensamento dá origem a um segundo e a um terceiro, e logo nosso
panorama mental é invadido por pensamentos que solidificam nossa raiva
ou ciúme e, então, é tarde demais. Assim acontece quando uma faísca
incendeia uma floresta, e estamos em apuros.A maneira
elementar de intervir chama-se “olhar para trás”, para o pensamento.
Quando surge um pensamento, precisamos observá-lo e observar sua fonte.
Precisamos investigar a natureza desse pensamento que parece tão sólido.
Ao encará-lo, sua solidez tão óbvia se derrete e o pensamento se
extingue sem dar origem a um encadeamento de pensamentos. A questão não é
tentar bloquear o surgimento de pensamentos – isso nem é mesmo possível
– mas não deixá-lo invadir nossa mente. Precisamos fazê-lo diversas
vezes porque não estamos acostumados a lidar com os pensamentos dessa
maneira. Somos iguais a uma folha de papel que ficou muito
tempo enrolada. Quando tentamos abri-la sobre a mesa, ela se enrola de
novo no instante em que erguemos as mãos. É assim que se realiza o
treinamento.Talvez haja quem pergunte o que as pessoas fazem
nos retiros, passando oito horas por dia sentados. Fazem exatamente
isso: familiarizam-se com um novo modo de lidar com o surgimento dos
pensamentos.
Quando começamos a nos acostumar com o reconhecimento dos
pensamentos é como se fôssemos capazes de identificar rapidamente numa
multidão alguém que conhecemos. Quando surge um pensamento potente de
forte atração ou raiva sabemos que vai levar a uma proliferação de
pensamentos, passamos a reconhecê-lo: “Ah, lá vem essa idéia!”. Esse é o
primeiro passo. Ajuda muito a evitar que tal pensamento o domine.
Depois de se acostumar com isso, o processo de lidar com os pensamentos
se torna mais natural. Não é preciso lutar e aplicar antídotos
específicos a cada pensamento negativo, porque sabemos como deixá-lo se
esvaecer sem deixar vestígios. Os pensamentos se desamarram. O exemplo
dado é o de uma cobra. Se ela é der um nó no corpo, consegue desfazer
esse nó sem esforço, sem precisar de nenhuma ajuda externa. Por fim,
haverá uma época em que os pensamentos chegarão e partirão como um
pássaro que passa pelo céu, sem deixar vestígios.Outro exemplo
dado é o do ladrão que entra numa casa vazia. O proprietário não tem
nada a perder e o ladrão não tem nada a ganhar. É uma experiência de
liberdade. Não nos tornamos simplesmente apáticos, como vegetais, mas
passamos a dominar os pensamentos. Eles não nos carregam mais pelas
rédeas. Isso só pode acontecer por intermédio de treinamento constante e
experiência genuína. Também é assim que podemos, aos poucos, adquirir
certas qualidades que passarão a integrar nossa natureza, tornam-se um
novo temperamento.Texto completo clicando no link abaixo:
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